Tenho uma amiga que recebeu um postal de Boas Festas com os seguintes votos: “Lembremo-nos sempre de onde vem o espírito do Natal”. Lembrar-me-ia se soubesse ou talvez saiba e não me lembre culpa do ginseng às cápsulas que não tem tido o efeito esperado. De onde vem? Do José, o corno manso? De Deus que é tão bonzinho que até se desculpa ter engravidado uma mulher casada? De Maria adúltera que teve um filho de outro (logo o chamaram Salvador porque era bem e para salvar a honra da família)? De Jesus que, coitado, lá ficava no frio de Dezembro nas palhas deitado nas palhas estendido, apesar de ter um pai de criação carpinteiro que podia muito bem ter construído uma camita para o puto mas vingou-se e deitou-o nas palhas a ser aquecido por uma vaca e um burro? Curiosamente uma vaca e um burro em vez da mãe e do pai que se limitaram a olhar, de longe, a criança “especial”? Das crianças que berram ainda mais na altura do Natal? Do gordo que afinal não existe mas tem milhares de sósias feios e muito diferentes do real one que nem sequer é real? Das árvores de Natal que os meus gatos insistem em destruir ao ponto de não ter feito este ano para evitar limpar todos os dias os cacos das bolas? Das compras? Do dinheiro gasto em pessoas que vemos uma vez por ano? Ou vemos todos os dias e, mais do que dar, devíamos receber um presente do tamanho do mundo por as conseguirmos aturar? Das filas para os embrulhos? Dos beijos molhados das tias com buço? Do bacalhau? Das rabanadas que deixam nas casas um cheiro a fritos tipo snack-bar-que-serve-bitoques-à-hora-do-almoço? Das primas que exibem barrigas cheias de esperança para casamentos sem sabor? De expectativas frustradas de pais que ainda não é desta que vêem um genro sensaborão sentado à mesa farta?
De onde vem afinal o espírito do Natal?
De onde vem afinal o espírito do Natal?